Poucos acontecimentos da vida são tão intensos e desconcertantes quanto a morte de alguém que amamos muito. Quem já vivenciou uma situação assim certamente concordará comigo. O impacto de um evento desses é tão grande que alguns pesquisadores chegam a afirmar que uma experiência de perda e luto é também, por si só, uma experiência de trauma. São momentos de extrema tristeza, de muito sofrimento, dor, medo, raiva, incertezas, desamparo, angústias… Enfim, a confusão emocional é tão grande e os sentimentos tão intensos e dolorosos que podem nos dar a nítida sensação de que não vamos aguentar, de que vamos sucumbir à dor ou mesmo enlouquecer.
Diante de uma experiência tão devastadora cada um reage como pode, faz o possível para dar conta, não há uma forma certa ou errada de se passar pela dor da perda. Enquanto a maioria dos enlutados mergulha na dor, sofre, chora, sente tristeza, desânimo, falta de apetite e de vontade de viver, outros, devido a sua estrutura psíquica e experiências de vida, “optam” por seguir em frente, evitam contato com o sofrimento e a realidade do fato. Podem passar, então, a trabalhar em excesso, ir a muitas festas, não falam da pessoa que morreu, guardam as fotografias, se afastam de tudo que lembre a perda e etc. São aqueles que, à primeira vista, nos passam a impressão de que estão bem, de que superaram rápido. Mas nem sempre se trata de superação, de ser forte e continuar. Em muitos casos o que ocorre é que a sensação de dor é tão grande que, para se preservar (para preservar a integridade do ego), a pessoa aciona o que chamamos de mecanismos de defesa. Os mecanismos de defesa são estratégias/ações psicológicas que a mente cria para proteger o indivíduo do desprazer ou da sensação de aniquilação psíquica. Tais mecanismos são inconscientes, ou seja, a pessoa não tem consciência de que os aciona, não escolhe lidar com a dor dessa forma. A Negação (da dor) é um dos mecanismos de defesa mais utilizados em situações de luto.
Claro, é natural que diante de algo que nos é desagradável ou cause dor nosso primeiro impulso seja de evitar contato, nos afastar, dar as costas ou fingir que não está ali. Afinal, se me machuca, por que vou manter por perto? Ok, essa estratégia pode até funcionar quando se trata da dor física. Se a chapa do fogão está quente, instintivamente tiramos a mão; se sabemos que a lâmina da faca é afiada, não a seguraremos por ali. Contudo, tais estratégias não se aplicam à dor emocional. Neste caso, a evitação daquilo que gera dor – como as lembranças do ente querido falecido – pode até funcionar a curto prazo e mesmo gerar algum alívio. Entretanto, com o passar do tempo, se a dor da perda não é sentida e expressada, tende a encontrar outras vias de descarga. Sintomas físicos, doenças psicossomáticas, transtornos psíquicos como o Transtorno do Pânico ou um episódio depressivo são exemplos de caminhos que a dor encontra para se manifestar. E é justamente por essas consequências tão negativas – para o corpo e para a mente – que se insiste na necessidade de expressão do sofrimento.
Sobre as estratégias de evitação/negação da dor e do luto há uma metáfora da qual gosto muito e que gostaria de compartilhar aqui. Segundo essa metáfora, quando perdemos alguém que amamos muito é como se caíssemos num buraco profundo e escuro. Estando nesse buraco, buscamos formas de sair dali. Quando usamos a negação ou a evitação como ferramentas para sair da dor, é como cair no buraco (luto) munidos apenas de uma pá. Para não ficar sem fazer nada, usamos a pá e cavamos, e seguimos cavando… O buraco vai ficando cada vez maior. Ao cavar, você acredita que está fazendo algo, mas está só aumentando o buraco. Você está fazendo o possível para sair da dor, mas as estratégias não são boas e você percebe que a dor do luto só cresce. Não quer dizer que você não seja capaz de sair, quer dizer apenas que está usando as estratégias/ferramentas erradas. Provavelmente sua melhor opção para sair do buraco é aceitar que você está nele e parar de cavar. É a partir da aceitação do sofrimento que você pode sair dele. Quando você sabe que caiu num buraco e reconhece que as ferramentas que está usando para sair não são eficientes, então você pode finalmente fazer diferente, pedir ajuda, trocar a pá por uma escada, enfim, melhorar suas estratégias de enfrentamento.
Nem sempre é fácil aceitar que estamos no buraco e suportar sentir a dor do luto. Quase sempre, é muito doloroso. Contudo, como fica evidente nesta história, sem esse primeiro passo vamos continuar lá, usando estratégias falhas e nos “afundando” cada vez mais. Por mais que digamos a nós mesmos que está tudo bem, que não estamos sofrendo, que isso já ficou no passado e que temos que cuidar da vida que segue, algumas coisas não podemos evitar. De repente, em meio a um dia comum, um cheiro, uma foto, um lugar, uma situação qualquer nos desperta a lembrança, e tudo aquilo que tentávamos evitar vem à tona, com toda a intensidade que a dor tem. Temos então duas escolhas: deixamos que os sentimentos se apresentem, que a tristeza e o choro surjam, ou voltamos a guardá-los, nos distraímos e seguimos fingindo que já superamos. Sim, sempre temos escolha, no entanto, para cada escolha há também consequências. Como vimos acima, a longo prazo, a consequência da evitação da dor pode ser ainda mais negativa do que a própria dor, nos levando ao adoecimento físico e/ou psíquico. E, então, teremos duas coisas para encarar: o luto que ainda precisará ser vivido e agora também o sintoma, consequência da evitação dessa experiência.
Pois bem, assim chegamos a resposta da pergunta que dá nome a este texto: Luto: preciso mesmo sofrer? Sim, diante de uma experiência de perda, em que um vínculo significativo é rompido, você inevitavelmente irá sofrer. E, sim, sofrer é necessário. Como sabiamente afirma a médica especialista em Cuidados Paliativos, Ana Cláudia Quintana Arantes, não há outra maneira de sair da dor que não mergulhando profundamente nela. Somente quando “esvaziamos” o sentimento, somente quando a dor se torna palavra e lágrimas é que pode ser transformada. E transformar requer processo, requer paciência com nossa dor. Requer que respeitemos o seu tempo, que é muito diferente do tempo dos relógios do mundo. Transformar a dor requer que nos tratemos com cuidado e carinho. Requer um abraço, um ombro amigo, um chá quentinho, uma uma leitura, uma conversa… Assim, aos poucos, vamos aprendendo a seguir, mais leves. A dor vira saudade e o amor… Bem, o amor, esse viverá para sempre.