A morte de um familiar é um processo extremamente doloroso e que pode levar a alterações na estrutura e funcionamento da família. Tende a afetar todos os seus membros obrigando-os a se reorganizar enquanto indivíduos e enquanto sistema. Contudo, embora sofrendo a perda de uma mesma pessoa, cada familiar reagirá de forma diferente, ou seja, mesmo que estejam vivendo um luto no plural, ele será experimentado de modo bastante singular por cada membro. A história de vida, os traços de personalidade, o histórico pessoal de perdas e o tipo de relacionamento estabelecido com aquele que morreu são alguns dos fatores que determinarão o estilo de enfrentamento da perda que cada um desenvolverá. Portanto, dentro de uma mesma família será possível encontrar diferentes processos de luto e isto pode levar a situações de tensão e angústia, uma vez que cada integrante irá expressar o luto do seu jeito e este jeito de expressar a dor – que é tão único – pode nem sempre ser compreendido pelos demais.
Em se tratando das diversas formas de manifestação do luto, uma crença muito comum – e errônea – é a de que quem chora mais está sofrendo mais. Tal ideia não é verdadeira e pode gerar muita culpa naqueles que não conseguem expor seu pesar de forma visível. Algumas características individuais podem levar certos enlutados a não conseguir dar vazão aos seus sentimentos. Seu choro tende a ser mais contido ou mesmo inexistente, o que de forma alguma significa que não estejam sentindo. Porém, ainda é muito comum ouvirmos comentários do tipo: “Nem está chorando, parece que não sentiu a morte do pai” ou ainda “Fulano não derramou uma lágrima, deve ser muito insensível”. É certo que o choro é uma das expressões mais comuns da dor da perda, mas jamais pode ser considerada a única. É muito importante que todos os membros da família enlutada tenham consciência disso para que possam acolher e incluir na vivência do luto familiar também – e principalmente – aquele que não consegue manifestar sua dor com lágrimas. Estes são geralmente os que mais precisam de acolhimento e apoio.
Alguns familiares podem ter dificuldades de conviver com a dor e então podem buscar preencher os dias com atividades ou trabalho, numa tentativa de não sentir e não pensar sobre a perda. Trata-se de um processo de negação da dor que, num primeiro momento pode parecer eficiente, mas que certamente, mais adiante cobrará o seu preço. Mascarar ou fugir do luto pode levar a um aumento da ansiedade, confusão emocional, irritação frequente e episódios depressivos. Além disso, quando a dor não é expressa em palavras o corpo passa a manifestá-la sob a forma de sintomas físicos. Não é incomum que, após uma morte, enlutados com esse funcionamento comecem a apresentar tonturas, problemas gastrointestinais, dores em algumas regiões do corpo entre outras queixas. Essa é uma realidade especialmente presente entre os homens. Em nossa cultura ainda prevalece o famoso “homem não chora” e por isso, muitos homens enlutados sentem que precisam ser fortes e amparar a família diante de uma perda. Acreditam que não podem demostrar seus sentimentos e que devem voltar à vida “normal” rapidamente, como se nada tivesse acontecido. Tal atitude resulta num processo doloroso de contenção das emoções e, consequentemente, propicia o surgimento destes sintomas físicos e mesmo, adoecimento mental.
Além das consequências físicas e psicológicas para o enlutado, também a relação familiar poderá ser afetada quando um ou mais de seus membros evitam a expressão de sentimentos relativos à perda. Quando o sofrimento é velado e/ou quando é imposto um silêncio geral sobre a memória do falecido e sobre a perda, o convívio familiar pode tornar-se tenso, com assuntos que não podem ser mencionados e comportamentos que não podem ser expressos. Neste contexto a tendência é que cada um busque dar conta de sua dor sozinho, fechando-se em seu quarto ou chorando no banheiro. O luto passa a ser escondido e negado, quando o mais construtivo e saudável seria que todos pudessem chorar juntos, falar e relembrar, apoiando-se mutuamente e fortalecendo-se neste processo. Como muito bem afirma Allá Bozarth-Campbell: “A dor é suportável quando conseguimos acreditar que ela terá um fim e não quando fingimos que ela não existe”.
Outro conflito que pode se instalar após a perda de um ente querido diz respeito à maneira com que cada membro da família vai reagir a algumas questões práticas tais como as fotos do ente querido que ficaram pela casa, o quarto da pessoa que morreu, o destino dos pertences dela etc. Aqui também a forma de lidar com a situação é muito única e particular, assim como o luto de cada um. Enquanto alguns podem sentir necessidade de retirar imediatamente do ambiente todas as lembranças e objetos que remetam à memória da pessoa que morreu, outros podem querer, por exemplo, deixar o quarto intacto e entrar ali frequentemente. Não há uma forma melhor ou pior de lidar com isso. Não há prazo definido para parar de olhar fotos, desmontar o quarto ou destinar os pertences. Cada indivíduo terá seu próprio tempo. Por isso, dentro de um sistema familiar, é sempre importante que prevaleça o diálogo – por mais difícil que seja falar sobre isso – e o respeito às manifestações de luto de cada um. E, acima de tudo, deve prevalecer a compreensão de que cada um está fazendo o melhor que pode e aquilo que faz sentido para si naquele momento.
A vivência de alguns rituais relacionados à perda é outro ponto que pode causar mal-estar no âmbito familiar. Apesar de ser um ritual bastante difundido em nossa cultura, ir ao cemitério, por exemplo, pode não desempenhar a mesma função para todos os membros da família. Enquanto para alguns a visita ao túmulo do ente falecido pode aliviar o sofrimento e ser fonte de conforto, outros podem não ver sentido nesta prática. Alguns poderão ainda evita-la por uma necessidade psicológica de proteger-se da dor que estar naquele local desencadeia. Não quer dizer que estes últimos se importem menos ou tenham menos consideração por aquele que morreu. São apenas formas diferentes de vivenciar a mesma situação, é apenas como cada um está conseguindo lidar. Cobranças, críticas e dedos apontados não irão aliviar o sofrimento de ninguém, pelo contrário, tendem a trazer ainda mais dor e confusão.
A morte de uma pessoa querida é de longe a experiência mais dolorosa e desorganizadora que um indivíduo – e uma família – pode vivenciar. Nada mais será como costumava ser. Diante de um acontecimento dessa natureza o sentido dado à vida é repensado, as relações são transformadas, assim como também se transforma a identidade pessoal de cada membro. Diante de tantas mudanças, um bom funcionamento familiar, com abertura para a comunicação e expressão de sentimentos e pensamentos, pode tornar o processo de elaboração do luto menos doloroso e mais adaptativo. Sim, nada mais será como antes e essa talvez seja a primeira lição a se aprender. Não há como resgatar a vida e a família de antes, mas ainda assim há como seguir adiante, ainda assim há vida no luto e aos poucos – no tempo de cada um – é possível forjar um recomeço. Entre pedras também brotam flores.