Para a prevenção do suicídio precisamos falar sobre ele, mas também precisamos, acima de tudo, saber ouvir, considerar e respeitar a dor do outro.
Ela, 21 anos. Jovem, bonita e, ao que tudo indicava, com uma longa vida pela frente. Contudo, naquela madrugada – como em tantas outras em que o sono não vinha – novamente ela sentiu que nada mais importava. Dessa vez não encontrou mais forças para lutar. Estava cansada, sentia-se sozinha, queria morrer. Ele, 21 anos. Nas fotos em suas redes sociais um jovem sorridente, frequentador de festas, sempre cercado de amigos. Um tiro e tudo acabou. Eles não se conheciam, nem poderiam imaginar que compartilhavam da mesma dor. Ambos morreram no mesmo final de semana. Ela na sexta-feira, ele, no domingo. Cedo demais, jovens demais… agora são memória e saudade.
Estas são histórias reais, de pessoas reais, que agora engrossam as estatísticas de mortes por suicídio. No Brasil, só no ano de 2017, 11 mil pessoas morreram por suicídio. Nos últimos dez anos, o número de pré-adolescentes e adolescentes que tiraram a própria vida cresceu mais de 40%. E eles não são apenas números. São filhos, amigos, netos, irmãos… têm histórias, tinham sonhos. Mas o que aconteceu? O que anda acontecendo? Porque tantas pessoas, principalmente adolescentes, estão querendo morrer? Desejar a morte parece ir na contramão de toda a lógica, afinal, nosso instinto é pela sobrevivência, é pela vida.
Não há como olhar para essas histórias e esses números sem considerar o contexto em que acontecem. Na sociedade atual vivemos em uma cultura de felicidade de Facebook em que, de modo geral, nos é negado o direito de sofrer. Se você está triste ou mesmo apenas quieto já vem alguém lhe dizendo que você precisa se animar, sair para alguma festa e deixar de pensar em coisa ruim. Se não temos mais direito à tristeza, o adolescente parece ter menos direito ainda. É como se já estivesse decidido: adolescente não tem porque sofrer. Como adultos desta sociedade tendemos a pensar coisas do tipo: “ele tem uma vida boa, os pais lhe dão tudo, não tem nada para se preocupar” ou criticamos seu sofrimento, de peito inflado, dizendo algo como: “no meu tempo não tinha essa frescura, está faltando trabalhar”. Quando propagamos esse tipo de ideia, estamos desconsiderando a individualidade e o sofrimento desse ser humano. Se deixarmos de lado nossos pré-conceitos e julgamentos e pararmos para pensar – com mais empatia – veremos que não é nada fácil ser adolescente no mundo de hoje.
Cada vez mais vejo o quanto recaem sobre eles cobranças sociais e familiares, a começar pela questão acadêmica. Parece-me que já cobramos deles longos e consistentes currículos acadêmicos desde o jardim de infância. Aulas de inglês, de música, de natação, de balé… desempenho nota 10. Mais tarde, aos 17 ou 18 anos, cobramos que já tenham se decidido sobre qual faculdade cursar, qual profissão seguir. E, somado a tudo isso, há ainda a forte influência da internet e das mídias sociais e a demanda por suprir expectativas que surgem também daí. Demandas quanto à aparência ideal, o peso ideal, lugares que devem frequentar, viagem que precisam já ter feito, quantos “contatinhos” devem ter na agenda do celular e assim por diante.
Há uma enxurrada de expectativas em torno dessa faixa etária. É natural que em algum momento esses adolescentes se sintam confusos, sobrecarregados ou frustrados. Mas aí entra outra questão importante: na sociedade atual, demostrar esses sentimentos parece ter virado sinônimo de fraqueza e pode trazer uma sensação de inadequação diante de tantas vidas aparentemente “perfeitas” que desfilam nas redes sociais. Por isso, muitos adolescentes acabam optando por silenciar suas dores ao invés de pedir ajuda e isso, certamente, um dia cobrará seu preço, seja sob a forma problemas de relacionamento, isolamento social, abuso de álcool e/ou drogas, algum episódio ou transtorno depressivo ou mesmo de ideação suicida e tentativas de suicídio. Sim, é uma reação em cadeia.
Na minha experiência clínica, tenho ouvido de muitos adolescentes queixas sobre não se sentirem ouvidos pelos pais, não sentirem que seus sentimentos e angústias são validados por estes. Ouço adolescentes afirmando que os pais estão sempre lhes dizendo o que devem fazer, como devem agir, reagir e se portar na vida e pouco os escutando de verdade. Adultos – principalmente pais – não precisam apontar soluções para tudo. Mais do que soluções para os seus problemas, os adolescentes desejam encontrar nos adultos ouvidos atentos, compreensão e segurança. Porque, no final das contas, é isso que os fará confiar na hora de falar de seus problemas ou buscar ajuda.
Em se tratando de adolescentes, é importante termos consciência de que esse é um período de vida em que tudo é bastante intenso, onde estão presentes fortes alterações hormonais e onde são vivenciadas um turbilhão de novas sensações e sentimentos. Por isso mesmo, as dificuldades e problemas experimentados nessa fase também tendem a tomar outra proporção, uma proporção bem maior do que talvez tivessem para nós adultos. Bem maior, mas, certamente, não menos importante.
Diante desse contexto todo, o adolescente que ainda não é cognitivamente maduro, pode não ter estratégias emocionais e comportamentais adequadas para lidar com tantas mudanças, intensidade de sentimentos e exigências sociais. E é aí que a ideia do suicídio muitas vezes surge, como uma forma de aliviar ou dar fim ao sofrimento advindo pelo acúmulo de todas essas situações. Karina Fukumitsu, psicóloga estudiosa do tema, afirma que o suicídio de adolescentes e jovens pode ser entendido, também, como um ato de comunicação. Um recurso extremado que muitos encontram para comunicar suas dores e tudo aquilo que não tem acolhida na sociedade – e nas redes sociais cheias de pessoas bonitas e felizes.
Precisamos considerar também outro fator, que é a impulsividade, muito acentuada nessa fase da adolescência e juventude. É justamente essa impulsividade que pode fazer com que, em um momento de desespero, a ideia de suicídio se torne um ato concreto.
Os compreendamos ou não, fato é que nossos adolescentes estão tristes, confusos e sozinhos e nós não validamos seu sofrimento. Dizemos que é drama, coisa de “aborrecente”. Amanhã ou depois passa. Contudo, negar a gravidade da situação pode trazer graves consequências. Diante de uma pessoa que apresenta qualquer sinal de que pode estar pensando em suicídio ou que pode evoluir para esse ponto, é muito importante que não se espere para “ver se ele vai melhorar” Quando suspeitamos que algo não está bem é muito importante buscar ajuda. Não dá para apostar que vai ficar tudo bem, porque às vezes não fica. Às vezes essa aposta pode sair cara demais, pode não existir uma segunda oportunidade, pode custar uma vida.
Existem diversos serviços que podem ser acionados em situações de ideação suicida ou tentativas de suicídio, alguns, inclusive, gratuitos. Os CAPS (Centros de Atendimento Psicossocial) do município e os atendimentos psicológicos ofertados nas Clínicas-Escola das universidades são boas alternativas a se buscar. Psicólogos particulares, postos de Saúde e hospitais também são espaços que oferecem atendimento para quem está passando por um momento difícil e pensando em suicídio. Existe ainda o CVV (Centro de Valorização da Vida) que dispõe de voluntários que estão disponíveis 24 horas por dia para atender ligações e ajudar pessoas que estejam enfrentando um período difícil e querendo conversar e/ou pedir ajuda. As ligações são sigilosas e gratuitas e podem ser feitas através do número 188 de qualquer parte do Brasil.
O suicídio é hoje uma questão de saúde pública, uma situação que não acontece só com o vizinho, com o filho do colega de trabalho, com tio que sofre de depressão. O suicídio é hoje um desafio de todos nós e todos podemos fazer algo por quem está em sofrimento psíquico. Ouvir sem julgar, respeitar e validar a dor do outro, oferecer ajuda, estar presente, são atitudes que todos podemos ter. Atitudes simples, mas que salvam vidas.
Preciso agendar uma consulta mas ess telefone não dá
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Estou tendendo na modalidade on-line. Fique à vontade para me enviar mensagem. Abraço.